Almir Tosta
Escritor/Pesquisador
Um país cuja juventude foi castrada
politicamente pela Ditadura, formando uma sociedade integrante de um
inconsciente coletivo, com profunda apatia, sempre se mostrando incapaz de se
mobilizar para defender seus interesses e encarar seus problemas, nos
surpreende com uma mobilização que começou em São Paulo e se estendeu por todo
país. Apesar da repressão policial do primeiro dia, 13 de junho de 2013, cinco dias
após, os manifestantes voltaram às ruas com mais força, mais reivindicações
numa quantidade impressionante. Milhares pessoas ocuparam a
Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, e a Praça da Sé e a Avenida Paulista,
coração financeiro da cidade de São Paulo.
Nas manifestações seguintes, a Av.
Presidente Vargas no Rio Janeiro recebeu um número de pessoas nunca vista no
Brasil, numa passeata de protesto. Teve cerca de quatro quilômetros ocupados
por manifestantes que seguiam para a Igreja da Candelária, onde se
concentraram.
Segundo diversos informes, foram concentrações que ultrapassaram
em muito o Movimento popular das caras pintadas para o impeachment do então
presidente Fernando Collor em 1992, acusado de corrupção, e também o Movimento
das Diretas Já, em 94, que envolveu todos os setores da sociedade.
Outros estados também aderiram ao
Movimento e o “Gigante acordou”, expressão utilizada nos protestos. A
Prefeitura de São Paulo acabou cedendo em relação ao reajuste da passagem, mas
este foi apenas uma das insatisfações e, certamente, não foi a maior delas. A
mobilização ganhou força, mas se dispersou em seus objetivos e demandas. Em
alguns momentos nos pareceu que parte da população não se deu tempo de pensar e
saíram pondo para fora tudo que estava preso na garganta, e fazia sentido, era
uma oportunidade inusitada para muitos. Mas houve também os que se infiltraram,
com intuito de descaracterizar o Movimento e, se não conseguiram, pelo menos
atiçaram a força policial. Com isso, a repressão que nesses momentos ocorre sem
motivos, ganhou indícios para justificar a truculência no tratamento com as
manifestações.
Causou-me grande repúdio a selvagem
repressão ocorrida em Salvador, no dia 20 de junho, uma quinta feira, dia do
jogo no estádio da Fonte Nova, da Nigéria contra o Uruguai, tornando o Campo
Grande, a maior Praça da cidade, num verdadeiro campo de batalha. Com balas de
borracha, spray de pimenta, bombas de gás, o Batalhão de Choque e Cavalaria,
não poupou jovens, mulheres e idosos, tendo deixado um saldo de mais de 50
feridos. Foi bloqueado o acesso ao estádio da Fonte Nova, como se uma
manifestação pacífica externa ao estádio, fosse impedir o jogo, que se
realizou.
Tal repressão e truculência foi
ordenada pela prepotente autoridade do governador, Sr. Jacques Wagner, que de
militante, não teve nenhuma experiência, bem se sabe disso. Aproveitou-se de
forma oportunista dos movimentos sindicais que se realizaram no Polo
Petroquímico de Camaçari, nas campanhas salariais nas portas das fábricas,
infiltrando-se entre os sindicalistas, para mostrar sua cara, usando o
Sindiquímica-BA, como alavanca para suas pretensões e carreira política,
conseguindo apoio do movimento dos petroquímicos e petroleiros, para se tornar
deputado e depois governador. Como nunca sentiu na pele os rigores de uma dura
repressão policial-militar, agressão física e tampouco tortura nos subterrâneos
e frios porões dos DOI-CODIS, da Ditadura, não adquiriu com isso,
sensibilidade, para impedir e evitar a cruel repressão ocorrida.
A manifestação continha cartazes com
as mesmas reivindicações de outras cidades do país, mas sentimos ausências de
cobranças mais severas em relação às necessidades de Salvador, principalmente
no que tange a conclusão das obras do metrô, que já se arrastam por tantos anos
e se tornaram numa lucrativa promessa de campanha para tantos mandatos. As
verbas da obra foram objeto de sucessivos atos de corrupções. Tal fato dá um
cabal testemunho da insensibilidade e desrespeito a uma população precariamente
atendida por um transporte urbano, que além de caro, só trafegam superlotados,
demandando até duas horas, para chegar aos destinos, num trânsito que se tornou
caótico e travado em longos congestionamentos. Enquanto isso, a Fonte Nova foi
totalmente implodida e reconstruída dentro dos exagerados rigores da FIFA, em
apenas 18 meses.
Mas o governador Wagner não passa
por esses dissabores e constrangimentos nos seus deslocamentos, pois na maioria
das vezes não usa o carro oficial. Ele normalmente se desloca pelo ar, usando
um helicóptero à sua disposição, até o CAB - Centro Administrativo da Bahia,
além de passar parte do seu tempo em Brasília, em articulações e pajelanças,
para atender suas ambições políticas. É conhecido por ser um tipo que fala
muito e trabalha pouco.
De um modo geral, a insensibilidade
politica impera. Em São Paulo, por exemplo, no início dos protestos, enquanto
seus integrantes bradavam pela redução das tarifas dos coletivos, os principais
líderes políticos do estado, os Srs. Geraldo Alkmin e Fernando Haddad,
totalmente indiferentes, de cima do pedestal de suas arrogâncias, deliciavam-se
em Paris. O governador Alkmin quando entrevistado por um repórter, declarou:
“São movimentos de arruaceiros, que querem promover a baderna...” Não caberia
outra resposta daquele que representa a ala política de extrema direita no
estado, típica de um membro do TFP - Tradicional Família Paulista. Já Fernando
Haddad, pivô do aumento das tarifas, motivo que iniciou os protestos, tendo
ficado acuado na sua Prefeitura, fugiu de helicóptero, de forma vergonhosa,
partindo do terraço do prédio.
Pode parecer muito barulho por
apenas vinte centavos, mas o que muita gente não sabe é que, para quem ganha o
salário mínimo, representa muito. Segundo pesquisa do DIEESE, o cidadão que
anda de ônibus duas vezes ao dia, deixa na catraca mais de dois salários mínimos
por ano, se tiver que baldear e tomar até três ônibus, no percurso de seu
trabalho pode desembolsar bem mais que isso. Num outro levantamento e cálculo
do Órgão, as passagens urbanas subiram 670% de 1994 para cá, contra uma
inflação de 281%, para o mesmo período. Por isso, há razão para protestar, e
ainda mais, pelo passe livre!
O MPL- Movimento Passe Livre é
formado por jovens estudantes de diversos estabelecimentos de ensino, e se
utiliza das redes sociais para discutir e promover mobilizações. Foi justamente
através das redes, que eles mobilizaram essa multidão no Brasil inteiro e até
brasileiros de outros países que se solidarizaram com a causa.
Os lamentáveis episódios de
vandalismos que ocorreram nas manifestações envolveram grupos de outras
origens, com outros valores, alienados politicamente. Estão se aproveitando das
mobilizações, para realizar quebra-quebra e saques em lojas. Muitos deles são
fichados e tem passagem pela polícia, pois são contumazes contraventores. A
estes, caberia ao Batalhão de Choque tentar cercar e impedir tal vandalismo, em
vez de ficar bloqueando as marchas pacíficas dos protestos.
Estamos vivendo momentos inusitados
de pura cidadania, com manifestações democráticas de civismo e forte dose de
patriotismo.
Esses idos de junho de 2013 ficarão
na História do Brasil, pelo despertar de um povo oprimido por tantas
injustiças, que estava adormecido, acordando para o renascimento de um
movimento social, com grande vigor!
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