Póvoa de Varzim, 22.02.2014 - A noite foi longa e,
por isso, a manhã começou devagar. Os mais de 600 lugares disponíveis no Axis
Vermar não foram preenchidos com a rapidez das cinco “Mesas” anteriores mas, no
final, e mais uma vez, não existia praticamente nenhuma cadeira livre.
A “Mesa 6” tinha como tema “Coração de correntes
desabitado: a poesia” e os seus intervenientes foram Elgga Moreira, Inês
Fonseca Santos, Manuel Rui, Pedro Teixeira Neves, Uberto Stabile e Vergílio
Alberto Vieira, contando com a moderação de José Mário Silva.
A assinalar os 15 anos do evento, a organização
desafiou os antigos participantes a fazerem uma seleção de 15 autores que,
nunca tendo estado presentes no Encontro, fosse obrigatório convidar. Dois dos
nomes escolhidos participaram nesta Mesa, Elgga Moreira e Inês Fonseca Santos.
Elgga Moreira faz parte do conjunto de autoras
escolhidas para escrever o livro Do
branco ao negro, no cada escritora contaria uma história com uma cor. A
autora refletiu sobre o tema da mesa e conquistou o público naquela que foi a
sua primeira intervenção.
Inês Fonseca Santos disse que “o que pode ser
mostrado não pode ser dito”. A convidada explicou: “heis o que coloca o poeta
num dilema: ou se cala, aceitando o silêncio a abdicando da escrita, ou se
mantém na demanda da espessura da palavra”. A escritora sublinhou que “amor e
morte são talvez os temas mais recorrentes de toda a poesia. Funcionam para o
poeta como o fogo funciona para o ferreiro, isto é, como o meio que lhe permite
dobrar o ferro e moldá-lo. Amor é fogo, mas é também carne e dor. É a
descoberta do outro, porque o que realmente importa é o mistério do encontro.É
do coração que tudo nasce e que é no coração que tudo tende a instalar-se, até
o Mal”.
Manuel Rui, presença habitual no Encontro,
responsabilizou a corrente de “criar pensamento, criar poesia, criar ligação
entre as pessoas nas horas difíceis”. O poeta afirmou que as correntes “não
amarram, mas unem os amigos. As vozes dos amigos, as canções dos amigos, essas,
são habitadas. Habitadas pela poesia, mistério das palavras que se ligam”.
“Não são estas as Correntes de coração desabitado.
Estas são as correntes habitadas pelo coração da poesia, com impressões
digitais das palavras de vários continentes, ditas em dois idiomas. Estas são
as nossas correntes. As Correntes d’Escritas”, disse o poeta.
Pedro Teixeira Neves começou por dizer que a sua
esposa desconfia sempre que ele, de facto, tenha participado num Encontro de
Escritores quando regressa a casa, vindo da Póvoa de Varzim: “é que regresso
sempre em muito pior estado do que parto. Pelo menos uma vez por ano posso
provar-lhe que isto de escrever também tem a sua exigência”.
Sobre o tema “nunca se tratará de saber o que tu
podes fazer pela poesia, mas antes saber o que a poesia pode fazer por ti.
Podem colocar-nos uma mordaça, tapar-nos os olhos com uma venda, mas que podem
fazer-nos ao coração para o calar?”. A poesia será, antes de mais, sentimento,
um modo íntimo de pesar o mundo, também um modo de ler.
“Ser poeta é condenar-se a uma espécie de
purgatório. Dentro do 0,01 do Orçamento de Estado que sobra para a cultura,
quanto sobra para a poesia? Zero. Numa livraria em Lisboa, entrei e procurei
pela secção da poesia. Não havia nem um livro. Nada. Porque diabo insiste um
poeta, então, em escrever? Má sina, masoquismo? Não. Um poeta traz-se à perna
de si mesmo porque hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de poesia. Num
tempo de abismo como este, o mundo precisa dos poetas porque são aqueles que
mais se abeiram do abismo. Como é sabido, só quem se abeira do abismo consegue
olhar para cima, ver de novo, ver a luz com renovado olhar de espanto”.
O convidado pensa que “para os escritores, além de
serem lidos, também é gratificante serem ouvidos de quando em quando”.
Uberto Stabile lamentou não conseguir dirigir-se à
plateia em português. Começou por classificar o Correntes d’Escritas como um
milagre da homenagem à palavra. O escritor espanhol leu um diário de perdas,
textos dedicados a poetas falecidos. “Vivemos num tempo desabitado, um tempo
sem fé, um tempo que necessitamos reinventar para a poesia, para que
continuemos a acreditar. Num tempo onde tudo tem um preço, a poesia é cada vez
mais necessária e urgente”.
A intervenção de Vergílio Alberto Vieira foi
inovadora. Utilizando imagens e música, o escritor disse que “o que é poesia
para a vida senão reserva de amor, senão condição essencial àquele sentido da
existência em que a relação com o incomensurável é a esperança?”. O escritor
afirmou que “chegar à palavra é ser da palavra”.