Uma das notícias mais comentadas envolvendo
os protestos no Brasil foi a busca e apreensão que fizeram na casa de Arthur
dos Anjos Nunes, de 21 anos, em Itaboraí, no Rio de Janeiro. Ele é suspeito de
ter praticado vandalismo durante manifestações. Sua prisão preventiva foi
decretada, mas ele está foragido no momento. No local, a polícia apreendeu além
de facas e martelos, o livro Mate-me Por Favor, clássico de Legs McNeil e
Gillian McCain sobre o punk.
Segundo o delegado Mario Andrade, o livro,
além das fotos e cartazes “demonstram o perfil” do suspeito. “[O livro foi
apreendido] para demonstrar a ideologia dele frente a nação brasileira, de
defesa da anarquia”, afirmou em reportagem da Folha. A notícia mostra 1) o total
desconhecimento da cultura popular por parte das autoridades, já que Mate-me
Por Favor é um documento histórico sobre o movimento punk e 2) há certo
autoritarismo nesse tipo de abordagem, o que levou o dono da editora L&PM,
Ivan Pinheiro Machado, que publicou a obra, a se
manifestar:
“Meu pai era um inimigo da ditadura militar
de 1964. Por isso nossa família sofreu vários tipos de intimidações e
perseguições. Minha casa foi invadida várias vezes pela repressão. A que mais
me marcou foi o dia em que a polícia política (DOPS) invadiu nossa casa e
prendeu centenas livros da grande biblioteca do meu pai. “Vamos queimar esta
imundície comunista”, dizia o delegado, jogando ensaios de Marx e Schopenhauer
numa caixa de lixo.
Ontem eu vi um delegado exibindo na TV um
livro publicado pela L&PM Editores: Mate-me por favor dos jornalistas e
críticos musicais Legs McNeil e Gillian McCain apreendido na casa de um suposto
vândalo.
Não me interessa o que o rapaz fez. Mas o que
me chamou a atenção foi a naturalidade com que o delegado apreendeu o livro. Um
delegado que não serve a uma ditadura e apreende um livro é porque tem a
vocação do autoritarismo. E nenhum respeito por um livro. Mate-me por favor é
um livro maravilhoso, editado por minha indicação. Não faz a apologia da
violência. Muito pelo contrário. Ele trata de jovens que foram abandonados pelo
sistema e elegeram a música como uma forma de protesto. E esta música foi uma
bofetada no sistema. Esta música fez com que os delegados e os políticos
voltassem os seus olhos para uma enorme legião de jovens sem futuro e sem
emprego nos idos dos anos 80. A L&PM Editores, meu caro delegado, já foi
vítima durante sua história nos anos sombrios da ditadura de vários delegados
que odiavam livros.
O que me surpreende é que um bom livro seja
alinhado junto a facas e correntes e exibido na TV como se fosse uma arma. E
ninguém diz nada. Lembrou-me o tira ignorante que invadiu a casa do meu pai nos
anos 70 para prender os “livros comunistas”. Ele não teve dúvidas; atirou-se na
estande e pegou o O vermelho e o negro de Stendhal como um símbolo desta “corja
vermelha que quer tomar conta do país…”
O livro Mate-me Por Favor foi
lançado em duas versões, um com a capa laranja, hoje difícil de ser encontrado
e outro dividido em duas partes e vendido como parte da coleção econômica, em
bancas e livrarias.
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