Entidade de classe diz que planos 'enfiam a faca' no paciente e 'tiram sangue dos médicos' |
Para marcar o Dia Mundial da Saúde e o Dia Nacional de Protesto contra
os Planos de Saúde, celebrados nesta segunda-feira, médicos de diversas partes
do país promoveram diferentes tipos de protestos, inclusive suspendendo o
atendimento de planos.
No topo da pauta das reivindicações está o valor pago pelas operadoras
de saúde por consultas e procedimentos, considerado "incipiente" por
organizações médicas e por profissionais ouvidos pela BBC Brasil.
Apesar de algumas pequenas vitórias, o problema vem se arrastando há
anos. Tanto que o slogan usado neste protesto pela Associação Paulista de
Medicina é inspirado em uma campanha de 15 anos atrás: "Tem plano de saúde
que enfia a faca em você e tira o sangue dos médicos."
Diante desse cenário, um número crescente de profissionais - de
pediatras a oftalmologistas - vêm criando alternativas para driblar os valores
pagos pelas operadoras de saúde e condições impostas por elas.
Uma das estratégias mais comuns é um médico que não atende um plano de
saúde cobrar do paciente com plano não o valor da consulta particular, mas sim
a quantia paga como reembolso pelo plano.
Mas como isso funciona na prática? O caso da publicitária Juliana
Linhares (nome fictício) é um bom exemplo. Após descobrir um problema no
joelho, conseguiu fazer seu tratamento com um ortopedista de confiança apenas
porque ele aceitava esse tipo de pagamento. Como não atendia o plano de saúde
dela, o médico cobrou o valor mínimo de sua consulta particular (R$ 300) e deu
dois recibos, no valor de R$ 150 cada. Juliana pagou e usou as nota dadas pelo
médico para pedir reembolso a sua operadora de saúde, que era de R$ 120 para
consultas desse tipo.
"No total, recebi R$ 240 do plano. Arquei com a diferença de R$ 60.
O ideal, claro, seria não gastar nada, visto que já pago a mensalidade do
plano. Mas não encontrei um médico de confiança entre os conveniados. Então,
essa foi uma boa alternativa", disse Juliana.
Planos lideram ranking de reclamações
Pelo
segundo ano consecutivo, o setor de planos de saúde lidera o ranking de queixas
recebidas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), de
acordo com balanço divulgado no mês passado.
Os planos
de saúde estão no topo da lista, com 26,6% das demandas feitas à entidade em
2013, com acréscimo de 6,26 pontos percentuais em relação a 2012. Em seguida,
vêm serviços financeiros (16,73%), produtos (13,05%) e telecomunicações
(12,53%).
Sobre
planos de saúde, as queixas mais recorrentes são negativa de cobertura,
reajustes abusivos. O setor de saúde privada abrange cerca de 50 milhões de
brasileiros.
Pelo prisma do médico, a proposta também é interessante, já que ele
evitar perder pacientes, ganha mais do que receberia do plano e é pago na hora
- ao invés de esperar até dois meses para receber os honorários pagos pelo
plano.
Mais fôlego
Essa prática alternativa de cobrança vêm ganhando força, tanto que ela é
incentivada inclusive pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que analisa uma
proposta de retirar as consultas dos contratos entre médicos e operadoras.
Pelo projeto, as consultas não integrariam os planos contratados pelos
pacientes. Ele cobraria apenas exames, internações e outros procedimentos
similares. Já as consultas seriam pagas diretamente pelo paciente ao médico,
que realizaria o mesmo procedimento que o ortopedista no caso citado acima.
Ele daria um recibo pela consulta, com o qual o paciente poderia
solicitar o reembolso do valor com a operadora de seu plano de saúde.
"Nossa proposta vem ganhando força porque a classe médica está
muito impaciente e desmotivada", disse à BBC Brasil o médico Aloísio
Tibiriçá, vice-presidente do CFM.
"É claro que não é o cenário ideal, já que acaba sendo cômodo para
os planos de saúde. Mas é uma alternativa para se evitar um desgaste
progressivo na relação entre profissionais da saúde e operadores."
Demora para
pagar
Segundo Tibiriçá, no momento, os pacientes vêm se deparando com médicos
desmotivados, que estão progressivamente abandonando os planos de saúde - além
de operadoras incapazes de disponibilizar uma oferta razoável de profissionais
para evitar uma demanda crescente - alta de 4,6% no ano passado.
"Estamos nas mãos dos planos. Eles demoram até mais de dois meses
para pagar, por vezes não pagam determinada consulta ou exame e não há um
extrato claro para se descobrir o motivo", diz Tibiriçá.
"Para piorar, a ANS (Agência Nacional de Saúde Complementar, órgão
do governo que regulamenta o setor) é complacente com as operadoras de saúde,
não ouve nossas propostas e também não faz a ponte entre a classe médica e os
planos."
A ANS disse à BBC Brasil que as críticas são infundadas, já que há
vários canais de diálogo com os médicos, como a recente criação de um comitê
para incentivar boas práticas entre operadoras e médicos, para estreitar o
diálogo entre as partes.
Segundo a agência, também não é verdadeira a afirmação de que não há
diálogo, já que há "reuniões em grande periodicidade para se debater temas
pertinentes."
Já a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que reúne 31
operadoras de planos de saúde, afirma que suas empresas associadas estão
preparadas para garantir o atendimento aos seus beneficiários. "No
acumulado dos últimos cinco anos, o reajuste aplicado pelas associadas à
FenaSaúde aos honorários foi de 50%, em média – muito acima da inflação do
período, que foi de 31%."
No entanto, a insatisfação dos médicos em relação aos planos parece
permear todas as especialidades e com profissionais em diversos momentos de
suas carreiras.
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