Na correria da vida de trabalho, no
silêncio dos jantares em família, por trás das máscaras e personas que convivem
na sociedade, muitos adultos guardam crianças caladas e marcadas por diversos
traumas.
A partir de dez anos ouvindo
histórias na prática clínica, o psicanalista Paulo Emanuel Machado resolveu
escrever uma ficção sobre um homem adulto que foi sexualmente abusado na
infância. Trinta anos depois, ele começa a escrever, elaborar e retomar suas
lembranças.
O drama, que dá voz ao personagem em
primeira pessoa, é contado no livro “A Tempestade”, que será lançado
quarta-feira, 30, às 19 horas, na Livraria Saraiva do Salvador Shopping.
Além da denúncia
Para o autor, a obra denuncia um
problema estrutural da sociedade. “A criança é negligenciada o tempo inteiro.
Queria denunciar não só a violência sexual, mas também o abandono e a
hipocrisia das nossas instituições”, contou ele.
A Bahia foi o terceiro Estado com o
maior número de denúncias de abuso sexual em 2013, registrando 3.081 casos. No
entanto, o autor destaca que muitas vezes tratam-se de abusos praticados por
familiares pessoas próximas e a vítima prefere não denunciar.
É o caso do personagem do livro. O
menino protagonista da história sofreu um abuso quando tinha apenas 12 anos.
Era uma tarde chuvosa no Santo Antônio Além do Carmo e seu tio chegou bêbado em
casa.
O fato que aconteceu naquela tarde
só é lembrado pelo personagem em um longo processo de elaboração e reconstrução
de uma infância difícil, com pais ausentes e distantes. “Ele tinha reprimido o
trauma, esquecido tudo. Quando adulto, já casado e com dois filhos, começa uma
relação sexual intensa com uma amante e as lembranças retornam”, explica o
psicólogo.
O leitor acompanha o processo de
surto à ressignificação vivida pelo personagem ao começar a escrever sobre suas
vivências, angústias e relações. “Ele rompe com tudo: destrói família,
religião, instituições na elaboração desse trauma”o autor.
Para Machado, o assunto tem sido
muito discutido em sociedade, mas falta um olhar mais humano. “Muitas
vezes isso aparece na mídia em números ou na denúncia social. Quis denunciar de
uma outra forma, a partir do drama do sujeito”, considera.
Complexidade
Como em terapia, os nós que compõem
o inconsciente do personagem vão sendo desatados a partir da fala. Ele escreve
sobre a mãe, o pai, os irmãos, os tios, cada um com uma história única e
complexa, inclusive o agressor, que também foi vítima. “Todos carregamos uma
criança que sofreu”, conclui o autor.
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