O ministro da Educação Aloizio Mercadante anda tão
encantado pela alta tecnologia, que pode colocar os alunos brasileiros em risco
de completa imbecilização.
Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA) |
A tecnologia é obviamente fascinante
e tem o poder de hipnotizar as multidões, quanto mais seus autoassumidos
líderes. Mercadante, cuja formação não é em Pedagogia e sim em Economia (seria,
então, um "ignorante pedagógico"?), parece ser mais uma presa da
narcose e a alienação tecnológicas que assolam o Brasil e o mundo. Isso tem
sido rotina no campo das artes e dos espetáculos: ninguém escapa de usar os
novos aparelhos e de mergulhar nos smartphones, feito o personagem Gollum
eletrizado (e destruído) pelo precioso anel que achou por acaso. No entanto, quando
se trata da formação de jovens, eleger a tecnologia como a panaceia universal
afigura-se como o mais deprimente desastre.
Vou tentar analisar as novas ideias
do ministro e assim demonstrar que ele está fadado a cometer o maior equívoco
de sua carreira: tomar os professores por ignorantes e jogar os alunos no poço
dos leões da tecnologia da informação, confundindo-a com a solução final da
educação. Por fim, vou aconselhar o ministro (que pretensão, mas não posso
evitar) a adotar uma estratégia menos devastadora para capacitar os professores
e seus alunos. Não que isso pareça preocupar o ministro. Ele, pelo jeito, só
quer brilhar com um discurso que pensa ser “inovador”.
Comecemos pelo discurso que
Mercadante fez na terça-feira em São Paulo. Ele afirmou que os professores
brasileiros não passam de “analfabetos digitais”. Ele argumenta que os
professores precisam aprender o abecedário da informática para acompanhar a
nova geração - esta, sim. formada em tecnologia da informação e, por
conseguinte, mais apta a conhecer e interpretar o mundo contemporâneo. Baseado
nessa “verdade”, anunciou que, para começar o processo, seu ministério irá
distribuir dezenas de milhares de tablets aos professores da rede pública de
todo o Brasil para solucionar o “déficit digital” das hordas autóctones de
educadores que infelizmente povoam o Brasil com sua falta de conhecimento.
Ou bem Mercadante está sendo um inocente útil, ou tem
coisa aí. Ele proferiu seu discurso ao lado do professor americano Salman Khan,
fundador da Khan Academy, que oferece pelo site YouTube aulas em cinco idiomas,
inclusive em português e estava no evento para divulgar sua instituição. É o
que Khan denomina “a maior sala de aula do mundo”. No seu livro recém-lançado
no Brasil, Um mundo,
uma escola – a educação reinventada (Intrínseca, 256 páginas, R$ 24,90,
e-book: 19,90), Khan faz uma afirmação sedutora. Diz que não vê motivo
econômico “para que estudantes do mundo inteiro não tenham acesso às mesmas
lições que os filhos de Bill Gates”. Diz além: “Quando se trata de educação,
nãos e deve temer a tecnologia, mas acolhê-la. Usadas com sabedoria e
sensibilidade, aulas com auxílio de computadores podem realmente dar
oportunidade aos professores de ensinarem mais e permitir que a sala de aula se
torne uma oficina de ajuda mútua, em vez de escuta passiva”.
São ideias razoáveis, mas soam superficiais, boas demais para ser verdade. A impressão é de que Khan atua como um daqueles vendedores de xarope do Velho Sul (ele é da Louisiana), prometendo milagres aos indígenas e aos broncos dos vilarejos. E que usa Mercadante para vender seu sistema de ensino, como qualquer outro representante comercial de editora didática ou de cursinho. Se ele conseguir um contrato do governo, vai ficar mais rico que o ilustrador e escritor Ziraldo (cujos cartuns infantojuvenis são adotados do Oiapoque ao Chuí como de fossem obras didática), distribuindo seu produto miraculoso para centenas de milhões de escolas. Mas pode ser impressão.
Nosso ministro da Educação está embarcando no conto de
Khan. Tomara que ele esteja certo e aconteça uma revolução educacional – e
cultural – no Brasil. Não acredito em milagres. Os grandes projetos estruturais
de educação nas nações mais desenvolvidas – como Estados Unidos, Inglaterra,
Suécia e França – se constroem a partir de bases sólidas de pesquisa e
desenvolvimento das várias disciplinas. Contam com o apoio governamental para
formar educadores e dar oportunidade aos alunos. Reúnem corpos docentes e
dicentes em ambientes de interação e toca de ideias e pesquisas.
Não há, portanto, segredo para um
projeto de educação eficiente: trata-se de consolidar o conhecimento com todos
os meios disponíveis, inclusive os digitais. É nisso que Mercadante poderia
pensar. Mas ele parece ter pressa em distribuir tablets para os que ele chama
de “analfabetos”. Dessa forma, mesmo sem querer e com a melhor das intenções,
poderá transformar transformar a rede pública de ensino em um gigantesco centro
de diversões eletrônicas, em uma mega-lan-house. Tenho experiência nos efeitos
que o uso dos gadgets digitais – como smartphones, laptops e tablets – provocam
nos jovens: em vez de virar ferramentas de aprendizado, tornam-se veículos de
fuga, distração e diversão. Em vez de estudo, videogames e redes sociais. Basta
experimentar ler um livro em um tablet: a tentação é de fazer tudo menos ler.
Os aparelhos digitais de ponta, até hoje, só arrancaram os estudantes de suas
tarefas. Não conheço solução para isso até este momento. E agora os professores
vão se converter em consumidores de aplicativos. Vão se viciar em joguinhos
eletrônicos, em pesquisar qualquer coisa no Google e em atualizar seus status
no Facebook – alguns já fazem isso há algum tempo. Um dia teremos saudades dos
tempos em que eram “analfabetos digitais”, mas alfabetizados no conhecimento.
Espero que Mercadante desperte de seu
estado de torpor informacional. Tenho vontade de sussurrar ao seu ouvido:
“Ministro, acorde!” De uma vez por todas, não são os tablets, os celulares e
outras traquitanas digitais que vão alfabetizar e transformar alguém. A solução
será promover uma revolução nos currículos, na formação e nos sistemas e no
modo como encaramos o conhecimento. Antes de combater o tal “analfabetismo
digital”, é preciso erradicar o escandaloso analfabetismo funcional de muitos
brasileiros. O resto é enganação. Meus queridos mestres, continuem assim,
analógicos e offline. É melhor ser ignorante digital que geek idiota.
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