Sayuri Suto
Mais
uma vez é dezembro... Lembro-me então da minha infância e de como, apesar das
dificuldades, minha mãe insistia em manter viva em nós a fantasia do Natal.
Montávamos uma árvore, que era feita com um galho seco envolto de algodão e colocado
numa lata de tinta coberta por papel de presente que lhe servia de base. Os
enfeites não eram de plástico e nem inquebráveis como os de hoje, por isso, era
preciso ter muita delicadeza para não quebrá-los, pois poderíamos nos machucar
e também seria difícil repor as bolinhas, sininhos e gotinhas coloridas no ano
seguinte. Dessa forma, a árvore era
montada devagar, com calma, com cuidado. Enquanto isso, ela nos contava histórias
sobre a fábrica de presentes do Papai e da Mamãe Noel, lá no Polo Norte...
Eu
e meu irmão, acreditávamos em Papai Noel e na Mamãe Noel. Não se fala muito em
Mamãe Noel, na verdade, acho que somente na cabeça da minha mãe e na nossa, havia
uma Mamãe Noel. E na véspera do Natal nós os esperávamos, depois da ceia e de
ouvir a história do nascimento de Cristo, deitados no chão do quintal, olhando
para o céu até adormecer...
Na
manhã seguinte, lá estavam os presentes, que hoje sei, com muita dificuldade
foram comprados. Era um momento feliz para nós e para a nossa mãe. Tempos mais
tarde descobri que à alusão a Mamãe Noel era na verdade, uma alusão à nossa
avó, que morrera quando minha mãe ainda era criança, deixando-a com um pai que
embora fosse um bom homem, não era dado às fantasias. A fantasia que lhe
faltou, ela nos deu em dobro. Obrigada, mãe!
O
tempo passou, eu cresci, e a cada Natal vejo que a fantasia, bem como a festa
cristã, se perde para tão somente uma data comercial. Tudo está muito rápido e
todos estão muito distantes, embora a cada dia as redes sociais nos deem a
ilusão de que temos um milhão de amigos... Recebi já muitos “Feliz Natal” em
meus e-mails, de lojas nas quais possuo cadastro, mas um cartão mesmo, daqueles
coloridos e cheios da caligrafia e do tempo de quem os escreveu, até agora não
recebi nenhum, e confesso, também não os enviei... Certamente compartilharei os
cartões virtuais...
Também
eu, montei minha enorme e vistosa árvore de Natal. É linda, do jeito que eu
sempre sonhei, cheia de presentes comprados sem a menor dificuldade. Mas não
contei histórias enquanto a montava e o membro mais novo da família, minha
filha de 10 anos, nem estava em casa para colocar a estrela. Eu fiz tudo
errado. Nós temos feito tudo errado. A minha árvore é imponente e fria. Olho
para ela e não vejo encanto...
“Então é natal, e o que você fez? O ano termina, e nasce
outra vez”. E o encanto? Onde se perdeu o encanto?
Então
é natal e por isso, aquelas pessoas que passaram o ano inteiro sem lembrar-se
de você, te estendem as mãos, te abraçam, te beijam, com sorriso nos lábios,
como se todo o amor “guardado” durante o ano inteiro pudesse ser sentido nesse
único momento. A família - quando há família - se reúne! Trocam-se presentes,
come-se e bebe-se fartamente enquanto as luzes brilham. É lindo de se ver! Mas
enquanto isso, milhares de enfermos estão deitados nos corredores dos
hospitais, e muitos pobres, com estômagos vazios, pensam como seria bom um
pedaço de pão... Quem se lembra disso?
Cristo?
Quem se lembra? O Natal afinal não é uma festa Cristã? Todos trocam presentes e
qual presente oferecem ao menino Jesus no seu aniversário? Algumas famílias
ainda preservam a oração antes da ceia, agradecem a Deus as bênçãos alcançadas.
Muitas igrejas encenam o nascimento de Cristo com esmero e depois pedem que o
presenteiem com dízimos e ofertas alçadas...
A
decoração das ruas, das lojas e dos shoppings é de tirar o fôlego! Enquanto
isso, não existe saneamento básico na periferia, falta água, transporte, iluminação,
falta dignidade... Para quem é o Natal? Para Cristo? E Cristo não é para todos?!
Então
é natal, e o que você fez? O que eu estou fazendo? Paremos para refletir... O
que significa a palavra “natal”? Nascimento! Então não poderíamos nascer,
renascer todos os dias? Abraçar, beijar e sorrir todos os dias? Amar todos os dias... Sem data marcada para
presentear, fazer o bem, para declarar que se ama, enfim... Acabei de tomar uma
decisão simbólica: minha árvore de Natal permanecerá montada o ano inteiro para
que todas as vezes que eu a olhar, lembrar de que todos os dias precisam ser
NATAL.
Viva
o natal, os piscas-piscas, o pernil e o peru! Viva os Papais e Mamães Noel!
Viva a família reunida, os abraços e beijos! Viva Cristo! Tudo isso é muito bom
e saudável! Mas viva que esse “espírito natalino” do amor, da solidariedade, da
fraternidade seja sempre e não apenas no mês dezembro... Feliz Natal, feliz
nascimento, feliz renascimento para todos, todos os dias, hoje, amanhã e para
todo o sempre!
BIOGRAFIA
Sayuri
Suto é
graduada em Letras Vernáculas pela UNEB – Universidade Estadual da Bahia –
Campus IV, e especialista em Estudos Literários. Escreve romances, contos,
crônicas e poemas cujas temáticas são os sentimentos que permeiam a alma humana
– amor, ódio, medo, saudade, solidão... Ministra palestras sobre temas ligados
à escrita, leitura e Literatura, bem como oficinas de leitura e de produção de
texto.
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